domingo, 5 de abril de 2009

Pastor de penedos 2



São quase seis da manhã
Ainda se vê a estrela do pastor
Tenho sete anos
O pai morreu no princípio do inverno
Pneumonia
Dizem que já havia medicamentos
Mas, como poderia
Ter pago o médico
E a farmácia
Sem tirar o pão da boca
Dos meus cinco irmãos mais novos?
O mais velho, o falecido Júlio, que tinha
Dois anos mais do que eu
Ficou com o rebanho
Andava pelo monte
Entre penedos e lobos
A noite inteira
Agora ia-lhe levar, à Cotovia
Uma côdea de centeio
Uma "mão-cheia" de figos
E uma pinga
Enquanto o Júlio dormia
Era eu que cuidava do gado
Já não ia à escola
Se fosse, chegaria atrasado
Assim, tirei apenas a terceira classe
Depois...
O Senhor Padre Cura bem queria
Que fosse para Alcobaça
Dizia que não teria
Qualquer dificuldade mais tarde
Para entrar no seminário
Mas,
Com o Júlio atrás das ovelhas
E a mãe com cinco crianças ao colo
Quem iria sachar as batatas
Amanhar a vinha
E cegar o pão?
A noitinha,
Depois de tocar as vacas do lameiro,
Passarei pela capela
Do Senhor dos Aflitos.
Pedirei apenas que arranje algum fardo
Para levar até Feces de Abajo
Dizem que a Guardia Civil
Atira sem prevenir
No entanto,
Sempre será melhor
Morrer no contrabando
Que morrer de fome.

Tinhela
Concelho de Valpaços
1936.

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