sábado, 31 de outubro de 2009

Um tronco abraçado à vida




Se um dia a saudade for
Varrida pelo tempo como a flor
Aí será o fim da primavera
Hoje rego com carinho as trepadeiras
Que se enrolam com seus braços de solteiras
E têm violetas flores à minha espera.

Equilibrando-se como notas, de música, sobre linhas
De uma pauta antiga, vão sozinhas
Sobem aos céus, de um azul imaginário
A clave de sol ao entardecer
Da vida talvez possa dizer
Se o sonho foi paraíso ou calvário

Se a Cruz da agonia transportastes
Se a coroa de espinhos suportastes
Vós, como o filho de Deus, chamado Cristo
Lembrai-vos que a Cruz também viveu
E nos ramos que, a árvore, por vós deu
Também houve, o sacrifício, de um tronco.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Selinho nos lábios

Preferes que te dê a mão
Pretendo beijar-te os seios
Se aceitas os meus braços
Achas os meus lábios feios.

Preferes que seja um amigo
Amores, já tiveste muitos
Preferes ver-me sozinho
Que eu e as estrelas juntos.

Preferes ler o que escrevo
Para cantar não faltam galos
Do teu preferir sou escravo.

E se não queres os meus beijos
Aceita as minhas flores
Para ti, cultivos cravos.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Morra a sede!

Na cova, o silêncio enterrado
E no barro cozido de forma humana
Lembrei aquele outro barro, em narinas soprado
Por um Deus criador, em um findar de semana.

Dizem ter criado o mundo em sete dias
O último tendo sido para descansar
E eu procuro nesta terra as liturgias
Que para além da verdade, me permitam sonhar.

Como aqui nesta vala dos tempos antigos
Nem verdade nem sonhos tenho encontrado
Mas apenas guerreiros, morte, meus amigos.

E sonho em vez de armadas, construir um par
De barro ânforas para o vinho
Morra a sede, pois nada mais se deve matar.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O que importa é ser

Primeiro houve um Deus
Que de barro o fez
E logo foi pecado
De maçã trincada
Por ele houve também
Morte ; e de cruz pregada
Hoje quer ser humano
Pouco mais que nada.

O que pesa o bicho?
Arrobas ou quintais?
E o seu valor
Será só gordura?
Se agora assim for
Não passa de lixo
A obra de um Deus
Vale muito mais.

A alma é etérea.
Será que tem valor?
E qual a maneira
De a avaliar?
A alma ou matéria
Seja o que for
Duvido que alguém
A queira comprar.

Procurando saber
O que valho eu
E se consciência
Eu puder tomar
Não serei mais bicho
Tenham paciência
Mas um ser pensante
E capaz de amar.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Alla cappella!




É no silêncio que a saudade pesa
E o peso o que mais a alma lesa
A solidão a companheira desta vida
Um dia nascemos e depois
É tempo de viver a vida, a dois
E logo chega a hora da partida...

Viúvo, de negro luto, estou vestido
É grande para um só ser, o sobretudo
Ao avançar varro as lajes dos caminhos
Feitos pela mão de um Deus antigo
Quase humanos, frágeis, eis o perigo
Um dia termos de avançar sozinhos.

Pensei; estrelas há muitas nesse céu
Brilhantes ou cobertas por um véu
Mas esses astros intocáveis, são distantes
Em vez de cometa, estrela ou mesmo lua
Lembrança apenas quis, guardar a tua
Seguindo a minha sina como dantes.

Outrora até me chamaram vadio
Recordo mas sentindo um arrepio
A voz foi o melhor que o céu me deu
As cordas já não vibram; estou cansado
Assim cantava à toa o Senhor Fado
No dia em que a Guitarra faleceu.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Depois de sete dias no deserto

Depois de sete dias
No deserto
Sem água
Para refrescar o espírito
Nem sustento
Para a alma
Colocou de novo a questão
Ao criador:
-O que é a Vida afinal?
Este após alguma hesitação respondeu:
-A questão não é saber,
o que é a Vida,
para começar a viver.
Deixai a vida acontecer
E depois sábios de mil experiencias,
Podereis dar um sentido à Vida.

Puxei pelo violão...
Depois de sete dias no deserto
Sem pão, sem mel, tendo por perto
Apenas as asas a pesar
Sentimos e o pensamento voa
A razão perdida, a sede do momento
E a voz que diz; será a voz do vento?
Eu sete dias e o mundo de fome ecoa!

Não somente de um jejum voluntario
Como o Cristo quando aceitou o calvário
Mas fome imposta por quem manda
Uns gordos, fartos, cheios de toucinho
Outros miseráveis como o chamado Deus menino
Vão e vêm como do mar a branca onda.

domingo, 25 de outubro de 2009

Almas em ruína




Mil e muitos anos depois
Pedras. Já nem casas, nem tabernas
Cortiça. Cavalos. Talvez bois
Também, lajes largas para as pernas.

Imaginei da romana o cabelo
Junto à fonte, docemente, penteá-lo
Naquele quadro agreste mas singelo
Pudesse eu romano acaricia-lo...

Além corria água das nascentes
Fervia e subia aos céus; disso estou certo!
Nos banhos jorravam águas quentes.

Imaginei ser rei, imperador, ganhar a briga
Escravo da morena, da romana
À sombra dos sobreiros de Miróbriga.

Carlos Tronco
Santiago de Cacém
Julho 07

sábado, 24 de outubro de 2009

Crepúsculos




O vento vadio bulia com os espanta-espíritos
Produzindo um som leve e ligeiro; uma companhia
Seriam das almas do outro mundo os gritos,
Ou dos amores, o canto, a alegria?

Ao alto, o sol, dizendo vou deitar
A luz agora acariciando mil sonhares
Primeiro eram pinheiros, depois mar
Algures a sombra fresca dos pomares

Á tardinha sentava-me a escrever
A vida à roda encantava e surpreendia
Procurava a alma Lusa entender

Seguia com paixão as andorinhas
Rodopiando pelos ares ao fim do dia
Recordava as tuas mãos olhando as minhas

Carlos Tronco
Melides
27 de Julho 2007

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sonhar




As minhas mãos, matéria, quando pensamentos
por mais que atentos, não são mais que etéreos ventos
as minhas mãos, elas, podem-se tocar
e sentir, como sentem vento as velas
das minhas mãos pequenas e singelas
como do vento ligeiro o acariciar
deita-te no meu corpo
como se o meu corpo fosse o mar dos teus suspiros
deita-te na imensidão do mar
para que a espuma nos una até sempre
mergulha no delírio das nossas vontades
sente-me crescer
como cresce a vegetação da floresta quando o sol acontece
deita-te em mim mar enfurecido
sente os meus braços de vento tempestade
sacudir a tua alma e destino
abandona-te à profundidade do crer
acredita enfim
que sonhar também é amar.

Carlos Tronco
Mondeville
18/07/07

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Alentejo




Áridas areias pouco mais acima que terra
Pouco mais adornadas que por vento
Pouco mais acariciadas que por pedras.
Aqui um pinheiro manso já com pinhas
Além um sobreiro sem cortiça
Uma gaivota que voa com preguiça
Descrevendo no azul, vaidosas linhas.
O tempo passava. Nas algibeiras,
Metia as suas mãos ao tempo dadas
Do mistério dos caminhos seguia as beiras.
Um dia, ao caminhar, deu com uma flor
Selvagem. Agreste. Flor de caminho
E o tempo, que corria tão sozinho
Encontrou naquela flor o seu amor.
O tempo sabia que passando
Condenava aquela planta a morrer.
Parou. Suicidou-se e chorando
Permitiu à sua amada de viver.

Carlos Tronco
Melides
Verão 2007

domingo, 18 de outubro de 2009

Carlos simplesmente...




As mãos eu darei à tua cruz
ressuscite quem quiser que eu fico morto
apaixonei-me por prego, ferrugento, torto
e assim pregado, sonho ser Jesus

Imagino agora, por aí, chorando
as mulheres, que me amaram e que amei
um golpe de lança, firme, de vez em quando
e a esponja amarga, de fel, que adorei

O Pai assim me quis e fez-me louco
desejou ver-me pregado, aqui me tem
aceitei ser eu o morto, mais ninguém

Disseram-me, deixa ir outro pobre, qualquer
é o que mais prospera, neste mundo
mas quis subir lá cima pr'a saber.

Carlos Tronco “Carpinteiro”

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Quando morre a noite cresce a alvorada

Uma noite que termina
já cantam os rouxinóis
e o sol já ilumina
a alma e caracóis

uma noite e os teus sonhos
é tempo de realizar
seca as lágrimas dos olhos
vem comigo, vem-me amar

desperta que o sol vai alto
o coração não espera
segue-o e dá um salto
sê a minha primavera

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Salomé quase sereia


Riscos a preto e branco



Porque me pedes sereia
Como a agulha pede a veia
A vida. Não posso dar!
Os passos possíveis são muitos
Podemos avançar juntos
O caminho analisar.

O amar não é ter sorte
Se não for até à morte
Mesmo assim foi partilhar
Um beijo e um momento
Deste meu lábio sedento
Dos teus olhos o olhar

Sereia, oiço o teu pranto
O teu cantar e encanto
Compreende, não vou deixar
A terra que me alimenta
Se por vezes foi cinzenta
É estrela ao brilhar.

Já nos tempos muito antigos
Os três magos e adidos
Deixaram a estrela guiar
O Deus que os esperava
Sobre feno a mãe deitava
O que era de espantar.

Ouro, incenso e também mirra
A oferta era gira
Não se deixou convencer
O menino ali deitado
Virou-se pró outro lado
Antes quis na cruz morrer

Sereia, eu assim faço
Não te vou dar o meu braço
E se assim não conhecer
Dos teus charmes a ternura
Há-de haver uma alma pura
Que me ajude a envelhecer

Velho já, de barbas brancas
Pode ser que as tuas ancas
Veja dançar para Herodes
Se a minha cabeça quiseres
Serás uma das mulheres
Que seduziu os algozes.

Não fui rei, nem sacerdote
E apenas deixei por dote
Umas letras e pensares
Não queiras a minha vida
Pesa antes minha querida
Dos amigos, os pesares.

Guarda bem essa bandeja
Que para mais já não seja
Que para brilhante, espelhar
Da tua alma os recantos
E que haja nos teus cantos
Uma forma de esperar.

Carlos Tronco
Mondeville
20/04/07

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ter amor...

...ser amor.

Ser amor e não ser gente
Ser amor
E não tocar
Ser o fruto descontente
De uma vida a sonhar
Ser amor
Já é bastante
Para quem pode esperar
Mas um amor
Tão distante
Não é amor nem amar
Preciso crer
Que existes
Neste mundo, pois amor
Amar sem ver o fundo
Não é amor minha amante
Promessas
Fá-las o céu
Promete um sol radiante
Adeus, vamos em paz
Amor, amor, adiante...

Carlos Tronco
Mondeville
14/01/07

domingo, 11 de outubro de 2009

Porque não me entendes?




Porque as estrelas são leves
a ponto de pairar lá no céu?
Porque um Deus as fez livres
a ponto de a ligeireza as sustentar.
Por isso, o homem que sonha
acaba cego, de tanto olhar.
Agita os braços
tenta imitar os pássaros
assobia
tenta rodopiar.
O homem acaba cego
mas nunca aprende a voar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Primeira água

Poesia de primeira água
É cristalina não lava
As mágoas do coração
Alguém diz e com palavras
Outras vezes diz com nadas
Tudo para a alma é vão

A água como a mulher
À primeira quando quer
Nem sempre acerta está claro
Corre livre como o vento
Procurando o seu alento
No amor: um metal raro

A água que já foi chuva
Quando enfurece derruba
Por vezes diz-se é da cheia
Talvez chegue o lindo dia
Que o sol seja poesia
Para o amor uma estreia

Nesse momento profundo
Da ressurreição deste mundo
Há-de um poeta acordar
Cada canhão transformado
Em um piano; o teclado
Transformado num altar

Poesia de primeira água
Apagará toda a mágoa
Com um ligeiro tocar
E a alma estremecendo
Serena, então vai ouvindo
Do outro lado do mar

Não o cântico da sereia
Que prende como uma teia
Mas o coro dos escravos
Partidas as suas correntes
Mostram agora os dentes
As flores que levam são cravos

Carlos Tronco
Mondeville
11/01/07

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O poeta bobo

Deixa-me aproximar
os meus dedos ao te tocarem,
apenas pretendem extrair a dor, a tristeza
de uma distância sempre presente
não tenhas medo dos meus beijos
deixa apenas que poisem os meus lábios
sobre a tua pele macia
deixa-te adormecer
dormindo, os sonhos tornam o prazer possível, real, palpável
deixa as tuas menstruas correr entre as tuas coxas
assim está escrita a tua sina de mulher
deixa o teu corpo dorido
receber as carícias de umas mãos sem jeito
os dedos entalados entre sortilégios e delírios
não tenhas medo de sentir o prazer invadir o teu ventre
deixa as minhas mãos trémulas
num gesto mágico ou talvez desesperado, extrair as
tuas angustias, as tuas incertezas
não me deixes falar como um bobo
deixa apenas que te ame em silêncio

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

É mar os meus sonhos

Em tempos jurei ir a Compostela
Adorar Santiago e bota fumo
Foi antes de ter chegado suave, dela
Convite para ir ao fim do mundo

Em Vigo deitei-me ao mar, deixei-me ir
Arrastado pelas ondas do oceano
Quando cheguei a miúda pôs-se a rir:
-Não sabias que havia barco oh cigano?

Estou aqui e com fome, vim depressa
Nenhum barco é tão rápido como os sonhos
Vim a nado para cumprir a promessa
De me perder no belo azul dos teus olhos...

Carlos Tronco
mondeville
04/01/07

domingo, 4 de outubro de 2009

Eis!




Boa tarde, desconhecida da outra margem
Mistério de uma alma que não deseja ser vista
Silêncio de quem não quer ser nem rei, nem pajem
Enquanto escondida, faz de mim fadista

E canto senhora, pois chorar não sei
Canto sonhando, ser um rouxinol
Dou-te a minha voz, o coração já dei
Que fizeste dele? Foi posto em formol?

Vós tendes razão, verdade é, sou louco
Louco pois cantar, não posso sem voz
Enquanto gaguejo, troçai, fazei pouco

Partis a couraça, fendeis esta noz
Vereis pois por dentro, a cor das entranhas
Que seja a vitória, dos contra e dos prós.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sendas e atalhos

Caminharei ao longo da senda da fortuna,
interrogando cada olhar que cruzarei
em uns, apenas verei morte, desprezo
quando o teu olhar cruzar, eu saberei
se o profundo do mar já foi vencido
se o infinito do amor eu encontrei
eis o ser pelo qual ando perdido
eis o olhar a quem, para sempre, me prenderei.

Carlos Tronco
Mondeville
10/12/06