sexta-feira, 25 de junho de 2010

À sombra de um velho Tronco




Um dia, cansado, sentei-me. A não ser que tenha dobrado os joelhos. Dobravam-se as pernas, pesava a mente. Algo como a massa da consciência, multiplicado pela aceleração da idade, em uma palavra o peso de um princípio de velhice. Sentei-me e pedi conselho à minha árvore.

Já vos tinha falado da minha árvore?
Naquele tempo plantavam-se soutos. Sabia-se que a vida é curta e que castanhas só provariam os filhos, e mais provavelmente apenas os netos. Castanheiros havia-os com centenas de anos: alguns, 10 homens de braços estendidos, não eram suficientes para os abraçar.
No acto de plantar uma árvore, havia o dom do saber fazer, mas também e sobretudo a esperança no futuro. Um castanheiro cresce devagar e é devagar que se aprende. Devagar e com esforço. Com as estações que passam, com as andorinhas que voam, com a chuva que cai.
A neve é branca.

O meu avô, tinha por ofício carpinteiro: sabia que em matéria de traves, a nobreza do castanho, nada tinha de comparável com a avidez do eucalipto. Como o tinha feito o seu avô, plantou um castanheiro para mim. Como eu plantei um para os meus netos. Terei netos um dia? A sombra já os espera. Porque na vida é necessário parar. Parar para reflectir e nada tal que a sombra amiga de uma velha árvore para pensar na vida. Pensar que, mesmo quando a bolsa de valores sobe ou desce em Nova Iorque, em Londres, (até parece um filme do Cantinflas) a terra continua a girar, exactamente à mesma velocidade, em torno do sol. Por isso é necessário olhar o futuro; plantar hoje para que as gerações futuras possam continuar a crer. Possam enfim acreditar que é no dom de si, na transmissão do seu saber, que o ser humano se glorifica e não na capacidade em roubar as classes operárias, na capacidade a enganar o povo.

O meu avô, plantou um castanheiro, para eu poder ensinar um dia aos meus netos a aplainar uma tábua, a fazer uma mesa, a erguer um telhado, tal como José o ensinou ao Cristo na nossa mitologia cristã, enquanto Maria protegia a sua virgindade. Sentei-me à sombra do meu velho castanheiro e este aconselhou-me. Aconselhou-me a continuar a aprender. O dom de si, a transmissão do seu saber e experiência, nunca são suficientes. Não devem ter limites. Hoje, que as minhas barbas se tornaram brancas, decidi voltar à vida de aprendiz. Porque só quem mantém actuais os conhecimentos pode continuar a transmitir algo útil. Vinte anos depois de ter sido admitido como professor titular (certifié) decidi completar o terceiro ciclo de engenharia mecânica. No oficio de carpinteiro, o essencial no aplainar de uma tábua, não é o render esta o mais lisa possível, mas acariciar a matéria em sinal de homenagem à arvore sacrificada para que a tábua, a mesa, a trave possa vir a existir. Assim, o carinho do gesto, torna-se um acto de amor e não uma simples operação destinada a fabricar, para vender.

Aí esta toda a diferença entre o humano e o profissional. O humano, é sem dúvida profissional quando procura a perfeição do gesto. O profissional que apenas trabalha para angariar fortuna (o que muitas vezes mal chega para cerveja, cigarros e futebol) não só apenas transmite vento, como degrada altamente a sua nobre condição de ser humano. No entanto tem filhos. Um dia terá netos. Que lhes poderá transmitir? Uma conta bancária antes mesmo de saberem limpar o traseiro? Um carro, muito antes de saberem assoar os “moncos”? Nada de nobre poderá transmitir e se não o faz, quem poderá superar as deficiências morais e intelectuais deste pai? Deste avô? Sei. O professor que tanto criticais, é pago para isso. Ter os tomates que vós pais não tendes. O santo professor “fazedor” de milagres: pai, filho e espírito santo em um só homem indigente e mal pago.

Portanto, cada dia que devereis perguntar qual será o futuro dos vossos filhos, orai:
-Ajudai-nos santo professor, pois nós pais indignos, não passamos de uma nojenta parelha de burros.

Carlos Tronco
Mondeville
22/06/10

1 comentário:

Anónimo disse...

carlos

Retrospectiva de uma vida!!!!!, quem me dera saber escrever poesia como tu a fazes.





De novo acredito do que nada
que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.

Não perdi nada apenas a ilusão

que tudo podia ser meu para para sempre!!!

(Miguel Sousa Tavares)